Pequenas celebrações [Papo de Pai]

Por Rafael Alves
Ontem, dia 18, foi aniversário da Alice.

Eu nunca gostei muito de celebrar aniversários. Sempre achei a comemoração meio sem sentido. 

Mesmo quando eu era criança já achava esquisito todo mês ter uma ou duas festinhas na sala de aula. Mas naquela época eu não costumava pensar muito a respeito das coisas, e tudo bem.

A medida que fui envelhecendo, meu descaso pelas comemorações foi ficando mais evidente. Quanto menos coisas tivessem programadas pro dia, melhor eu me sentia.

Acho que a única exceção foi meu aniversário de 30. Não por ser um número redondo, mas porque estávamos esperando a Alice. Acabei usando a data como desculpa pra fazer um “chá de bebeR”. Ganhei toneladas de fraldas e bebi pela minha recente paternidade em um churrasco com os amigos. 

Um dia memorável mas, como esperado, insuficiente pra me fazer sentir a transição pro estado de pai.


Um mês e meio depois a Alice nasceu. Burocraticamente, no dia 18. Tá lá nos documentos da maternidade, na carteira de identidade dela, ou no cartório: dia 18 de outubro.


Como todo mundo sabe, apesar da Alice ter dois anos, eu não tenho exatamente um bebê de dois anos em casa. 

Quanto alguém fala sobre crianças de dois anos, existe a expectativa de um pacote de coisinhas. Que corra, mesmo que meio desengonçado. Que fale, mesmo que poucas coisas. Que entenda o mundo ao redor. Que expresse seus gostos e desgostos. Que brinque com seus animais de estimação, etc. 


E tá aí mais um motivo pra eu não gostar de aniversários, porque esse número sempre vem atrelado a expectativas de desenvolvimento, mesmo depois de velhos. E apesar de eu ter paciência e vontade de explicar cada marco da Alice pros outros (sim, eu gosto de falar sobre isso, pode perguntar a vontade), minha intenção é que a Alice cresça sem pressão, e se livrar do peso da idade resolve.

Eu acho que as pessoas “normais” já tem muita pressão. Com 20 tem que estar na universidade, com 25 tem que ter emprego, com 30 tem que ter casado, com 35 tem que ter filho. E infelizmente muitas pessoas se deixam atingir pelos padrões sociais e acabam vivendo coisas que não tem vontade de verdade, ou que nunca pensaram a respeito, simplesmente porque é o que se espera de quem “anda nos trilhos da normalidade”.

Admito que não era exatamente desse jeito que eu imaginava a Alice se livrando dos paradigmas sociais, mas que dá um conforto saber que essas perguntas são irrelevantes pra ela, dá.


Mas voltando as datas, penso que outras coisas podem ser categorizadas como “marcos” pra gente. Por exemplo:

19/10 – um dia depois do parto, nasceu a nossa “Alice de verdade”, já que foi só no dia seguinte que nos falaram que ela ia ficar na UTI porque tinha convulsionado (e a gente ainda nem sabia exatamente o que tava acontecendo).

13/11 – dia em que a Alice sobreviveu à sua primeira cirurgia, depois de termos escutado que “ela pode morrer” quando perguntamos o que podia acontecer.

05/12 – dia em que paramos de encarar o quartinho vazio porque finalmente levamos a Alice pra casa pela primeira vez.

26/03 – foi quando a Alice comeu algo sólido pela primeira vez na vida, e foi muito bem! A gente nem fazia ideia de que isso era o começo da nossa empresa, heheh.

02/06 – é aniversário da retirada do gesso, e podemos comemorar o sucesso da recuperação da Alice, que hoje tem um fêmur e um acetábulo totalmente funcionais e capazes de realizar qualquer movimento.


Enfim, os dias estão aí, um após o outro.

Nosso planetinha azul continua sua jornada insignificante ao redor da esfera flamejante que nos ilumina todos os dias.

E se nós dermos menos importância pros aniversários burocráticos e, ao invés disso, começarmos a valorizar outras conquistas?

Se pensar bem, um pouco disso já está acontecendo. É só perceber o facebook oferecendo pra compartilhar posts antigos, do mesmo jeito que o timehop ou outros apps também fazem. O bom disso é que damos mais valor às pequenas coisas que nos fazem bem. 


No começo desse mês, dia 07/10, fez um ano do primeiro sorriso da Alice. Nesse dia reparamos, meio por acaso, que ela sorria quando alguém dava tchau. Desde então todos os dias teve tchau.

No dia 11, domingo passado, a Alice deu um high five pela primeira vez. É super recente, e pra muita gente nem deve ser grandes coisas, mas é o que estamos celebrando atualmente. Agora além de tchau, todo dia tem high five!


 

O pai na amamentação [Papo de Pai]


Por Rafael Alves

Os pais tem enorme responsabilidade no processo de amamentação e esse foi um dos grandes aprendizados que eu tive até agora.

Infelizmente devido a uma sucessão de eventos após o nascimento da Alice, nós não conseguimos fazer a amamentação como gostaríamos. 

Pra quem não sabe, passamos o primeiro mês e meio da Alice na UTI e isso acabou com qualquer planejamento. Ainda tentamos fazer relactação e translactação, num processo intenso e desgastante, mas que eu vou falar em outro post. Hoje vim falar da amamentação tradicional.


Participei recentemente da Roda Gestar Continente pra falar um pouco sobre papel do pai e a importância do parceiro na gestação, no parto e no pós parto. Dediquei uma parte da apresentação à amamentação e notei que as reações foram melhores do que eu imaginava.

É que, apesar de ser homem e da minha filha não ter mamado, eu me preparei bastante pra isso. Talvez seja esse o motivo de eu dar tanta importância pra esse assunto, inclusive – o fato de ter colocado tanta energia e não ter tido a possibilidade de viver os benefícios.

Então resolvi colocar pra fora um pouquinho do que eu aprendi, pra ver se eu ajudo outros homens nesse processo, na esperança de que quem me lê aqui consiga ir mais longe do que eu fui.

E se cada pai que der esses passos, levar a informação além, essa corrente só vai crescer e ficar mais forte!


Uma vez que a responsabilidade do pai esteja entendida, vamos a listinha de 10 coisas que eu aprendi sobre amamentação e que eu acho importante passar de pai pra pai:


1) Entenda os hormônios.

É legal conhecer minimamente o funcionamento hormonal da mulher. Leite não é produzido como lágrima ou saliva. Em condições ideais a produção pode ser muito boa, sim, e é justamente na construção dessas condições ideais que entra o pai (ou quem quer que seja a pessoa ao lado da mulher que amamenta).

Hormonalmente, além da prolactina, a mulher também precisa de ocitocina. Sim, nosso querido hormônio do amor.

Nada melhor do que um ambiente harmonioso em casa (com a louça lavada, roupas guardadas, o chão limpo, etc) pra mulher produzir ocitocina bem felizona.


2) Alimente quem alimenta.

Um sanduiche, um café, ou uma panelinha de brigadeiro… Se ela pedir algo que tem em casa, faça. Se não tiver em casa mas mesmo assim tiver ao seu alcance, vá comprar e faça também.

Alguém já reparou em quanto emagrecem algumas mulheres que amamentam? Cara, é muita energia envolvida no processo. O corpo dela tá ali fabricando uma parada PERFEITA pro bebê. Um líquido otimizado pra criança crescer com tudo o que precisa. É quase mágica o que acontece, e você precisa respeitar isso tudo. Respeitar e ter gratidão pelo processo inteiro, e nada mais justo do que fornecer alimento pra quem está FABRICANDO o alimento do seu filho. Além de ser necessário que ela coma, é gentil, respeitoso e amoroso. 


3) Não tenha ciúmes.

Talvez um dia você tenha achado que aquele belo par de peitos fossem seus, mas a verdade é que nunca foram e nunca serão.

Esses peitos que você provavelmente acha que ficaram ainda mais lindos nos últimos nove meses, ficaram assim exclusivamente pelo seu filho. Eles acabam de se tornar o instrumento de manutenção de saúde do bebê.

Se você tiver sorte e colaborar com isso, o bebê vai mamar durante muito tempo e você não pode em hipótese alguma encarar isso como uma competição.

Já ouvi histórias absurdas, como a de uma mulher que, na tentativa de atender a pressão insana do marido, definiu que um peito seria do bebê e outro do parceiro. Não preciso nem explicar o quão errado é isso, né?

Você é responsável por essa nova vida e deve honrar essa responsabilidade.


4) Defina espaços.

Cada um no seu quadrado. E os peitos agora são o quadrado do seu filho.

Deixa ele chupeitar. Deixa ele dormir pendurado. Deixa tudo que a mãe quiser.

Se você tem um filho é porque provavelmente aproveitou bastante aquela região e chegou a hora de dar um passinho pra trás e entender que, apesar de ser muito importante pro processo como um todo, você é coadjuvante.

Mas fica tranquilo, coadjuvante também concorre ao Oscar! Seja o melhor pai e marido que você conseguir e provavelmente no fim das contas, graças a nossa sociedade machista, você vai ganhar uma estrelinha por ter feito só o básico. Bem vindo ao clube dos super pais.


5) Cuide da logística.

Muitas mulheres, além de amamentar diretamente, também aproveitam uma produção adicional de leite pra fazer estoque ou até doar. Se esse for o caso da sua mulher, fique feliz e retribua organizando as coisas. Verifique o estoque, guarde de maneira organizada e que respeite a data de validade, veja se está perto de acabar, etc.

Se vocês tiverem uma bombinha elétrica, mantenha ela sempre limpa e por perto pra quando sua parceira pedir, já estar tudo pronto.

Se não tiver, ordenhe! Aprenda como se faz e tire leite sempre que for viável. É um favor que você faz pra família inteira.


6) Entenda a livre demanda.

É possível que a mãe resolva amamentar em livre demanda. É uma escolha. A escolha é dela, não sua.

Se essa for a escolha dela, fique feliz. É provavelmente a melhor alternativa para o bebê. Seja grato por sua mulher ter tanta preocupação que resolveu se dedicar o máximo possível a causa.

Claro que isso vai exigir mais de você, vai exigir mais dela também, mas no fim das contas vai valer o esforço.


7) Cuide do bebê sozinho.

Coloque pra dormir, faça arrotar, dê banho, troque a roupa e a fralda. Isso não é genético, é uma habilidade que pode ser aprendida e treinada. Não tenha medo, em pouco tempo você fica bom nisso tudo.

O mais importante de cuidar sozinho do bebê é deixar a mulher ficar um pouco sozinha. Ela pode querer usar o banheiro, tomar banho ou dormir (dormir é fundamental pro humor). 

Ou então ela pode simplesmente querer ficar um pouco sozinha. Torne essa escolha possível!


8) Desmistifique o peito.

Peitos vão deixar de ser aqueles peitos pra se tornarem apenas peitos.

Digo por experiência própria. Eu sempre fui um grande admirador de peitos. Nunca fui chato com tamanho, formato, consistência, nada disso. Eu gostava de peitos por serem peitos. Hoje gosto muito mais, só que é diferente.

A conotação sexual diminui drasticamente conforme você se acostuma com a ideia de que embaixo daquele sutian estão as refeições do seu filho. É comida. É nutriente. É saúde. É amor.

Às vezes tenho medo de ser mal interpretado, pois quando vejo uma mulher amamentando acho tão fascinante que não consigo não olhar um pouquinho. O abraço, o colo, o carinho, o olho-no-olho. É tudo tão bonito e natural. É um gesto que faz transbordar amor, e só sendo muito sujo pra conseguir relacionar com sexo ou ver algum problema no ato de amamentar.

É possível que sua mulher se torne uma ativista da amamentação livre. Se for o caso, saiba que ela está certa e o mínimo que você pode fazer é se informar o suficiente pra apoiar a causa e jamais, em hipótese alguma, questionar local, horário, ou qualquer detalhe relacionado a ela amamentar seu filho.

É comida e amor para um bebê, e isso não tem lugar nem hora pra acontecer.


9) Busque inclusão (ou seja, todas as anteriores).

É aceitável que pais não se sintam incluídos em muita coisa. É esperado. Aquela relação que a mãe tem com o filho ninguém mais pode ter. É normal, o serzinho passou 9 meses (o que representa 100% da vida) dentro dela. Tudo o que o bebê entende e conhece é a existência da mãe. Tanto que estudos dizem que um bebê leva de 7 a 9 meses pra entender que ele não é parte da mãe.

Então se inclua no processo. Abrace a causa. O melhor jeito de diminuir a distância é chegando cada vez mais perto dessa intensa relação que as duas pessoas que você mais ama tem uma com a outra. Não se acanhe. Faça tudo o que pode e se aproxime! É o melhor pra todo mundo. 


10) Contrate uma consultora de amamentação.

Eu sei que precisa de grana, mas vale a pena. 

Primeiro, sabe tudo isso que eu escrevi até agora? Ela vai falar muito mais e muito melhor! Afinal, ela é profissional disso, enquanto eu sou só um pai tentando passar pra frente o que aprendi. Vai por mim, essas mulheres são foda!

Segundo, pensa como um investimento. Se a amamentação der errado, em pouquíssimo tempo você vai ter gastado muito mais com leite em pó do que teria investido na consultora.

E terceiro, além do investimento financeiro do leite em pó, tem o mais importante: o investimento na saúde. O leite materno é a melhor coisa que qualquer bebê pode ingerir. É a bebida perfeita. Bebês amamentados tem um grande potencial pra se manterem mais saudáveis no futuro, e se isso não serve como incentivo, não sei mais o que falar.



É isso.

Eu adoro dizer pra contar comigo, porque realmente podem contar, mas nesse caso, se você tiver alguma dúvida sobre amamentação, melhor procurar uma especialista (recomendo a queridíssima Caroline Scheuer, da Amiga Materna).


E pais, não esqueçam de ajudar outros pais!


Não crie expectativas. [Papo de Pai]

Por Rafael Alves

Essa semana minha esposa veio, em tom irônico, me mostrar o comentário de uma mãe aleatória falando sobre a escolha do nome do seu filho em uma rede social. Ela falava sobre como o nome deveria ser imponente, elegante, soar como se a pessoa fosse importante porque o filho de um casal tão bem sucedido eventualmente será chamado pra subir num palco e ser homenageado, e ele não pode fazer isso tendo um nomezinho qualquer. 
Nos olhamos e rimos.
Rimos por diversos motivos. Rimos da inocência, rimos de pena, rimos de desdém. Rimos com um pouquinho de raiva e com tristeza também. 
Rimos porque a jornada que nos trouxe até aqui serviu pra nos fortalecer, caso contrário talvez tivéssemos chorado. Rimos porque quem pensa na profissão de um filho (que nem nasceu ainda) está projetando tão longe, mas tão longe, que não faz ideia da infinidade de surpresas que a vida pode jogar no seu caminho.
Eu ri também de nervoso. Ri porque já fui assim.
Não que eu almejasse uma filha rica e de nome imponente, isso nunca. Mas eu também já criei expectativas absurdas em cima de um serzinho que não tinha absolutamente nada a ver com as coisas que brotam nessa minha cabeça maluca e irresponsável.
Lembro que, assim que engravidamos, uma das nossas conversas foi sobre se teríamos condições de dar um carro de presente pro nosso filho (que na época não sabíamos o sexo ainda). Depois de um pouco de análise de prós e contras, decidimos que guardaríamos um dinheirinho em algum investimento até que nosso filho fizesse vestibular. Se ele passasse pra federal (ou alguma outra pública), ganharia o carro. Se não passasse, o dinheiro serviria para pagar o ensino superior em alguma universidade particular.
Nem é um plano tão absurdo, né?
Digo, de maneira geral, a maioria dos pais (que tem condições financeiras pra isso e filhos “normais”) poderia muito bem planejar esse tipo de coisa porque, antes de refletir muito sobre o assunto, parece uma dúvida razoável, assim como a conclusão parece fazer um pouco de sentido.
Hoje, que somos mais calejados que canela de lutador de muay thai, conseguimos perceber a grande besteira que é tentar prever um futuro sobre o qual pouco teremos influência.
A deficiência nos força a não criar expectativas. Ou melhor, nos ensina!
Durante a gravidez eu pensava que um dos problemas do natal de 2014 seria a Alice andando por tudo e mexendo no pisca-pisca do pinheirinho na casa da vó.
O natal de 2014 passou, o de 2015 tá chegando e adivinha só… nossa Beibessaura ainda nem engatinha. 
Lógico que isso faz falta, mas já quase não dói.
Na média, bebês aprendem a andar com um ano. Hoje vejo que se a Alice andar é lucro. Não sei se pode ser com 3 anos, se vai ser com 5 ou se vai demorar até os 8 ou 12. Dane-se. Talvez ela nunca ande. Faz um pouco de diferença na logística da vida, é claro, mas não é o que importa.
Me assusto com essas pequenas expectativas do cotidiano que tanta gente nem percebe que tem. Vejo muitos pais querendo que o filho sente, pra depois querer que o filho engatinhe, ande, corra e depois… Sei lá, quer que voe? 
E isso não se resume a conquistas motoras. Os pais querem ouvir as primeiras sílabas, depois palavras, depois frases completas. Querem que o filho faça continhas e seja alfabetizado.
E sempre tem que ser o mais rápido possível. Sempre pensando no futuro. Sempre, sempre, sempre pensando na próxima coisa que a criança vai ser capaz de fazer. Pra que tanta pressa?
Claro que um atraso muito grande merece investigação, mas normalmente não é um caso grave, mas sim uma falta de respeito com o tempo da criança, como quem olha pro filho e pensa que, no seu estado atual, ele não é suficiente, e sim incompleto.
Essa expectativa foge até mesmo das conquistas que são alcançadas pelas crianças e englobam aspectos fisiológicos absurdos como, por exemplo, a idade com que a criança vai ter os primeiros dentes. Gente, quem controla isso?
Esse julgamento não é só externo, mas serve pra mim também. A Alice demorou horrores pra ter uns fiapos de cabelo. Tanto que até hoje, que tem um certo cabelinho, nós chamamos ela de ‘amorecareca’. Primeiro a gente queria prender um tictac, depois fazer um coqueirinho, depois dois tufinhos e chegamos a pensar em quando faríamos uma trança. Porra, olha que nós somos acostumados com a vida sem expectativas, e mesmo assim estávamos ali cometendo o mesmo erro que vemos nos outros: pensando no futuro sem aproveitar o presente.
Claro que eventualmente nos demos conta disso, tanto que eu tô aqui escrevendo sobre o assunto, mas demorou. Hoje nós conseguimos curtir o cabelinho dela, fazer mil penteados engraçados e avacalhados, e entender que esse momento é legal, é único (já que provavelmente nunca vai voltar), e fazer carinhos e brincadeiras com esses tufinhos galegos que ela tem.
Se eu pudesse deixar um conselho, só um, assim como naquele video que o Bial traduziu pra português no famoso “use filtro solar”, eu diria: não crie expectativas.
Claro que isso serve pra todo mundo. Não importa idade, religião, sexo, ou condição financeira. Eu sei que serve pra todas as pessoas.
Mas hoje eu gostaria de dizer pra cada pai e pra cada mãe: não crie expectativas a respeito dos seus filhos.
Você já observou os adultos “normais” ao seu redor?
Eles não usam fralda nem fazem xixi na cama. Todos os seus dentes nasceram e seus cabelos crescem. Eles sabem ler, escrever e fazer continhas. Eles sabem andar e conseguem se vestir. 
Respeite o tempo das crianças. 
Aproveite a etapa que ela vive hoje. 
Sem pressa.
Sem comparação.
E, pela última vez, por favor: não crie expectativas!

The R word [Papo de Pai]

Por Rafael Alves
Recentemente, conversando com alguns amigos, demonstrei algumas angústias que eu tinha a respeito da palavra “retardado”. 
Por mais que seja um termo aparentemente ofensivo, a literalidade não me deixava lutar contra. Eu não conseguia entender que o problema estava na palavra, achava que o problema estava em mim.
Podemos encontrar um leque de hostilidades em palavras que, ao pé da letra, significam outra coisa.
Só no aspecto animal e machista a lista já é enorme: vaca, cadela, piranha e galinha, por exemplo. Sem machismo ainda tem a anta e o burro.
O veado já traz os xingamentos pro lado homofóbico da coisa, e aí poderia expandir pro ursão ou pra gazela, afinal, pra muita gente é tudo bicha mesmo.
O ramo profissional não deixa barato: um taxista ruim é um barbeiro, já um barbeiro ruim é um açougueiro. E a puta? Uma profissão tão antiga e ainda tá na boca do povo como xingamento. Acho isso meio escroto. Não literalmente escroto, quer dizer…
É que parando pra analisar, essa história de construir xingamentos usando palavras que significam outras coisas não faz muito sentido.
Voltando ao retardo, o problema é que fazia sentido usar a palavra.
Minha filha é atrasada, oras. Diversas coisas que uma criança “normal” faz, ela não faz ainda. E retardo é sinônimo de atraso. 
É só botar no google que aparece uma série de coisas que as pessoas desejam retardar: o envelhecimento, o progresso de alguma doença, o aquecimento global, a ejaculação, etc.
Se retardar é o mesmo que atrasar, então qual é o problema?
O problema é o retardado que gosta de beber e dirigir.
É a retardada que não estuda pra prova.
É o retardado que achou que fazer sexo sem camisinha não tinha problema.
É a retardada que derrubou a bandeja cheia de comida na praça de alimentação.
O problema são os retardados que não são retardados.
Pô, mas aí é fácil, é só trocar por cretino, imbecil e babaca que tá resolvido, né? Não.
Porque retardado já virou ofensa, e não existe uma maneira simples de resolver isso. 
Toda essa carga negativa já está atrelada a palavra, então pra que chamar alguém assim? Mesmo que teoricamente seja correto, não é legal.
Vale lembrar que usar a palavra correta continua sendo ofensivo em outras situações.
Chamar um gordo de gordo, por exemplo, pode ser extremamente ofensivo. E olha que o gordo sabe que é gordo e às vezes também sabe o motivo pelo qual é gordo. Digo por experiência: o sentido literal estar correto não diminui o peso da palavra (nem o da pessoa, heh).
E mais, a gente não sai chamando as pessoas pelas suas condições de saúde ou por alguma restrição física.
Imagina que dureza tentar justificar chamar alguém “corretamente” de meu anãozinho, minha diabeticazinha, meu manquinho, minha miopezinha.
Deu pra entender, né?
Mas o mais importante de tudo felizmente também é o ponto mais fácil de entender: ofende.
Ofende não só os indivíduos alvos da palavra, como seus parentes, seus amigos, e qualquer outra pessoa que tenha um pouco de empatia e se importe.
Então antes de travar uma discussão filosófica cheia de barreiras semânticas, se pergunte: você QUER ofender? Está no seu objetivo, ao se comunicar, ser ofensivo?
Se não for o caso, então não use a palavra. 
Foda-se o sentido literal. 
Foda-se a semântica. 
Só não use.
Sim, a partir de agora eu vou me esforçar pra que as pessoas com quem convivo parem de usar a palavra.
E sim, eu sei que ainda vou cometer alguns deslizes e usar às vezes, porque é um vício de linguagem que eu tenho. Inclusive, deixo aqui o pedido pra que sempre que alguém me ouvir falando, me corrija. Agradecerei.
E por falar em gratidão, Ju e Carol, MUITO obrigado pela ajuda.
Esse texto, assim como meu posicionamento, é consequência, dentre outras coisas, das palavras de vocês.
E de brinde, vou terminar o post com um video legal sobre o assunto:

#paidecriança [Papo de Pai]

Por Rafael Alves
Desde muito antes de ser pai as questões de gênero e sexualidade despertam meu interesse. Gosto de ficar viajando nas classificações, desconstruindo conceitos estabelecidos pra entender como as coisas ficaram do jeito que são e sempre que possível penso em como poderia melhorar. Já escrevi sobre esse assunto aqui algumas vezes, até porque ele é involuntariamente recorrente, mesmo quando o tópico é outro, acaba tendo espaço pra dar uma pincelada. E também é quase impossível nos dias de hoje um pai falar sobre uma filha sem receber algum rótulo heróico desnecessário ou algum falso mérito e, infelizmente, eu não escapo disso.
Mas o que me inspirou a escrever esse texto foi a recente onda de hashtags #mãedemenina e #mãedemenino.

Não consigo entender como que pessoas teoricamente instruídas e com acesso a informação ainda conseguem banalizar tanto algo que é de extrema importância e, convenhamos, nem é tão complexo assim.

A criança nem foi desfraldada ainda, ou seja, até pra mijar ela é exatamente igual e, mesmo assim, tá lá a criatura usando a hashtag como se um bebê realmente fosse diferente de outro porque nasceu com um bilau pendurado.
Não acho que todo mundo deveria entender com perfeição todas as quase infinitas possibilidades de encaixe e seus significados, mas também não precisa achar que a vida é binária como o programa da Xuxa.

Por conta disso, resolvi usar uma imagem (relativamente fácil de achar na internet) pra explicar de maneira didática algumas dessas questões. Prometo não me aprofundar muito, a ideia é só falar dos conceitos mais importantes.

Esse aqui embaixo é o genderbread (trocadilho com aquele biscoito de natal, o gingerbread).

Nele podemos notar quatro diferentes áreas com flechinhas pra indicar. 

Cada área dessas é totalmente independente das outras. Além disso, a definição de cada uma delas é feita (a grosso modo) por dois indicadores que também são independentes um do outro: masculino e feminino.

Mostrando os exemplos fica mais fácil de entender:


No coração está a orientação sexual.

A orientação normalmente é definida pela atração (tanto emocional quanto sexual). 

Os indicadores desse caso são fáceis de entender. Alguém que tenha o masculino alto, gosta de homem. Alguém que tenha o feminino alto, gosta de mulher. Alguém que tenha os dois ativos em equilíbrio, é bissexual. E não podemos esquecer do assexual, que tem os dois indicadores perto de zero.


No cérebro está a identidade de gênero.

A identidade é como você se identifica, o que você se sente. É o que você pensa a respeito de si próprio. É o gênero no qual você acredita que faz parte.

Para a maioria das pessoas os indicadores masculino e feminino são excludentes, ou seja, a pessoa se enxerga de um lado só e tem o outro quase nulo. Mas podem existir casos de alguém se sentir muito mulher e muito homem ao mesmo tempo (genderqueer), ou então de alguém que não se identifique nem como homem e nem como mulher (genderless).


Por fora, na casca, está a expressão de gênero.

A expressão é normalmente o que você demonstra para o mundo. Pode ser fácil de notar como usando roupas bem definidas / estereotipadas, ou algo mais subjetivo como o jeito de falar, modo de se comportar, ou interagir com os outros.

Além dos indicadores óbvios dos casos masculino e feminino (que podem variar em intensidade), existem os casos de equilíbrio – os andróginos, que às vezes não conseguimos identificar apenas olhando e podem tanto misturar características fortes masculinas e femininas, quanto ter os indicadores baixos e não exteriorizar nenhum lado.


Por último o sexo biológico.

O órgão sexual. O fatídico definidor da última vogal. É meninA ou meninO? É pinto ou pepeca? 

É o jeito que a gente vem ao mundo e que, felizmente, a medicina já deu um jeito de ajudar a corrigir os corpos que vieram incompatíveis com seus donos. Obrigado, ciência!

Nesse último caso também tem a possibilidade de misturar os indicadores. É o caso da intersexualidade.


Tá, agora que finalizou o bonequinho, vamos a outro conceito importante: o cis. O prefixo “cis” é do latim e significa “deste lado”. É classificada como cis uma pessoa que é vista como alinhada politicamente ou socialmente com o seu gênero de nascimento.

Vou me usar como exemplo: eu sou cis. Porque eu nasci homem, me visto como homem, me reconheço como homem e me sinto atraído por mulheres. Além disso, eu me sinto bem com a minha designação de homem e sou socialmente reconhecido como tal (juridicamente, politicamente e medicamente). É uma condição pseudo-natural.


Por que eu acho importante a gente saber isso tudo? Simples, porque talvez nossos filhos não sejam cis. Ser cis é “sorte” na nossa sociedade. É um privilégio. É um atestado de suposta (e falsa) normalidade. É nunca precisar provar nada pra ninguém. 

Porque, que eu lembre, eu nunca ouvi alguém dizendo “aí eu tava no shopping e tinha um casal hétero se beijando”, ou então “olha lá aquele homem vestido de homem”.

E é justamente no caso do seu filho não ser cis que você precisa ter informação pra entender, acolher e apoiar.


Pra finalizar esse post, um vídeo que poderia servir de exemplo pra muita gente:

É um pai que mostra o presente que o filho escolheu ao trocar um dos brinquedos repetidos que ganhou de aniversário. No caso, o menino escolheu uma boneca, e o pai pergunta como vocês acham que ele se sente, e em seguida responde com um YEAH!

Em seguida ele fala sobre como os filhos tem liberdade pra tomar qualquer rumo na vida, e que independente de qualquer coisa ele sempre vai amar e apoiar os filhos.


Espero viver pra ver isso ser normal por aqui.


#paidebebê

#paidecriança
#paidehumano

Se eu não fosse pai… [Papo de Pai]

Eu ainda me jogaria pros festivais em que as bandas que eu amo vão tocar. Gastaria dinheiro com passagens, ingressos e camisetas. Pisaria em muita lama e seguraria meu xixi por horas a fio pra não perder o lugar na frente do palco.

Mas eu também não teria o prazer de cantar pra minha filha, de assistir aos shows com ela no colo, dançar junto e, nos intervalos, poder pegar uma cerveja na geladeira e ir no banheiro em paz, aproveitando o conforto da minha casa.

Eu já teria comprado um Playstation 4. Jogaria alguns lançamentos e teria horas de diversão com meus amigos.

Mas eu não lembraria da graça brincar com os cacarecos infantis. Não me divertiria com a tartaruga, a dona vaca e não me emocionaria ao ver a Alice conseguindo pegar a borboleta, que pra mim foi mais emocionante que qualquer chefão que já derrotei.

Eu encontraria meus amigos mais vezes. Passaria mais tempo jogando RPG ou jogos de tabuleiro, passaria algumas noites bebendo e rindo e ainda estaria presente nas mais recentes histórias bizarras e irresponsáveis que todo mundo comenta nos encontros.

Mas não passaria nenhum tempo trabalhando na minha própria empresa, na verdade eu nem teria uma empresa. Também não conheceria a gigantesca responsabilidade que é levar saúde (em forma de comidinhas) para os filhos dos outros.

Eu ainda gastaria horas na internet lendo sobre a história da humanidade, o funcionamento de equipamentos esquisitos, descobertas sobre o universo, guerras históricas e qualquer outra maluquice científica que cruzasse o meu caminho.

Mas eu não ocuparia tanto do meu tempo adquirindo novas informações sobre comportamento, comunicação, sociedade e não teria a sorte de passar por um transformador processo de autoconhecimento.

Eu beberia mais cerveja e comeria mais x-bacon. Não teria deixado de ir nenhuma vez no festival de cerveja de Blumenau, e definitivamente já conheceria todas as novas hamburguerias que não param de pipocar pela cidade.

Mas continuaria ignorando as consequências de hábitos alimentares inadequados. Não pesquisaria sobre saúde (tanto na infância quanto na vida adulta), introdução alimentar, benefícios de cada alimento e qualquer outra coisa que eu só descobri porque senti a necessidade, já que sou responsável pela saúde de alguém que eu amo mais do que a mim mesmo: minha filha.

Eu não estaria atrasado com os filmes e seriados. Participaria das rodas de conversa sobre Game of thrones, Orange is the new black, Sense 8. Não sentiria vergonha nos círculos nerds quando digo que não vi quase nenhum dos novos filmes de super heróis, e ainda saberia as falas dos Matrix ou dos Star Wars.

Mas não conheceria o Doki, o Amigãozão e a Peppa. Eu não teria decorado o episódio em que a dona Coelha grita “incêndio” nem saberia que “tudo que é pergunta a Luna faz”. Eu não seria capaz de entender a graça que um programa infantil pode ter e ainda menosprezaria a relação de adoração que as crianças tem por seus personagens preferidos.

Eu ainda frequentaria estádios de futebol. Ficaria rouco incentivando meu time, abraçaria estranhos na arquibancada, passaria a madrugada acordado comemorando o acesso, saberia o nome dos jogadores de diversos times e acompanharia notícias sobre o futebol fora do país.

Hoje eu fico rouco de tanto cantar musiquinhas, passo a madrugada acordado por amor, sei o nome de profissionais de diversas áreas, e acompanho notícias sobre saúde e desenvolvimento infantil fora do país.

Mesmo que eu não fosse pai eu seria feliz pra caralho, mas eu não faria a menor ideia de que apesar de perder todos aqueles benefícios eu poderia ser ainda mais feliz.

Vídeos para refletir [Papo de Pai]

Segunda-sim segunda-não eu escrevo pra cá. E não escrevo pouco. Duas vezes por mês eu deposito aqui algumas conclusões, ideias, insatisfações e detalhes da minha vida de pai, seja baseado num acontecimento específico, como a reação de um vendedor, ou com um olhar de pai a respeito de algum assunto que faz sentido no momento.


Hoje, depois de ouvir alguns feedbacks, resolvi fazer um post diferente.

Vou abordar novamente um dos temas que mais motiva minhas pesquisas, que é a paralisia cerebral.

Penso que as pessoas absorvem informações de maneiras diferentes, então ao invés de descarregar aqui um calhamaço digital como sempre faço, hoje vou tentar passar uma mensagem através de videos que me marcaram.

O primeiro é um TED Talk da Maysoon Zayid, uma comediante e atriz americana. Ela é sensacional e fala sobre a vida com uma leveza e um estilo de humor incrível.

O video tem 14 minutos, está legendado e além de muito engraçado, é inspirador.

Aqui está:

O segundo é bem mais curto, tem menos de 2 minutos e eu realmente gostaria que todos assistissem.

É o video de uma campanha feita por uma associação para pessoas com deficiências múltiplas. Fizeram um experimento em que pais e filhos são colocados separados (pra não verem as reações uns dos outros) e convidados a imitar as caretas que diversas pessoas fazem em um video que eles assistem.

O grande momento da campanha, claro, é quando o video mostra uma pessoa com paralisia cerebral.

A frase da campanha é “vamos ver as diferenças com os olhos de uma criança”.

Vejam e entrem pro clube de quem chorou.

Espero que tenham gostado dos videos. Se ajudar alguém a se inspirar ou refletir, já valeu o post!

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Doando Tempo [Papo de Pai]

Eu sempre me considerei um cara legal. 

Posso supor que quase todo mundo se acha legal, né? Não consigo pensar em ninguém que vai bater no peito e falar “eu sou um cuzão mesmo, e daí?” e encarar a vida assim. Até porque o mundo não é binário, não existe só o legal e o cuzão.

Desde que me tornei pai tenho usado uma boa parte do meu tempo pra tentar me conhecer melhor. O autoconhecimento é um processo curioso. Se às vezes achamos que conhecemos algumas pessoas com quem convivemos algumas horas por semana (ou por dia), então é óbvio que nos conhecemos, não? Não necessariamente. Ou, pelo menos, não completamente.

Voltando ao papo de ser legal, eu comecei a perceber que eu não apenas não era tão legal quanto eu achava, como também tava longe de ser o melhor que poderia ser. 

Essa sensação já tinha aparecido outras vezes na minha vida, mas sempre esteve acompanhada da racionalização. Eu encontrava motivos pra não ser o melhor que eu podia, e como esses motivos normalmente eram bons e faziam sentido, eu acabava me dando por satisfeito com qualquer que fosse o resultado. Assim parei de me cobrar.

Mesmo sem me cobrar muito, eu me achava legal. Até porque eu pensava nas camadas das pessoas com quem tenho contato e me sentia bem.

Na primeira camada estão a família e os amigos próximos. aqui é onde normalmente não tem erro, praticamente todo mundo é legal com a sua família e com seus amigos.

Depois vem os relacionamentos profissionais e os outros conhecidos que não são (tão) amigos, e até aqui tudo bem, já que boa parte das pessoas é legal com essas pessoas também.

Na última camada de contato entram os estranhos que encontramos. Mas se eu dou a vez no trânsito, trato bem o caixa do supermercado e dou bom dia pro porteiro e pros vizinhos tá bom, né? E sim, claro que tá bom. Se todo mundo chegasse até aqui o mundo já seria um lugar muito massa. E é isso que eu quero que a minha filha tenha disponível: um mundo massa de viver.

Mas recentemente me dei conta de algo que faria o mundo ficar ainda melhor que isso, que foi sair do círculo das pessoas com quem tenho contato pra atingir gente que teoricamente nunca cruzaria meu caminho. Estou falando sobre contribuir com a sociedade através de trabalho voluntário.

Infelizmente a gente vive num país onde muita gente ainda precisa de ajuda e, independente do seu lado político, dificilmente você vai conseguir fazer tanta diferença nas urnas quanto pode fazer dedicando um pouco do seu tempo. 

Claro que também é possível ajudar com doações de roupa, comida, material de construção ou de qualquer outra coisa. Aliás, a forma mais prática de ajudar é doando dinheiro. Não precisa nem sair de casa e não tem nada de errado nisso. Dinheiro ajuda muito se for colocado nas mãos certas.

Só que o que eu procurava era um pouco além disso, era a experiência. E penso que encontrei. 

Na última semana recebi do Instituto Vanessa Tobias a habilitação para aplicar o processo de coaching educacional nas escolas.

Eu, particularmente, escolhi baseado na minha capacidade e nas minhas prioridades. Acredito que é fundamental investir nos jovens e na educação, e foi assim que tomei minha decisão de fazer parte desse processo e contribuir com o Instituto.

Por aí também existem diversas outras instituições, projetos e ONGs. O que não falta é gente que precisa de apoio no processo de ajudar. Sorte que existem propostas bem variadas, então tem espaço pra todo tipo de ajuda, todo tipo de serviço, e todo tipo de gente. Basta dedicar uns minutinhos no google pra descobrir qual se encaixa melhor pra cada um.

Admito que tenho uma pontinha de egoísmo nisso tudo, porque eu não quero só ajudar, eu também espero crescer junto e viver algo diferente, e além disso, sempre tive uma vontadezinha de estar em sala de aula e usar minhas palavras pra auxiliar os mais jovens, ou seja, também vou me beneficiar do processo.

Sei que em alguns posts eu abordo temas polêmicos e acabo tentando instigar ideias ou comportamentos por acreditar muito e ter embasamento para defender. Mas hoje não é o caso. Só quero compartilhar essa novidade que veio como consequência da maravilhosa avalanche de mudanças que é a paternidade e, como sempre, tentar fazer o possível pra que a Alice viva num mundo melhor e sinta orgulho de mim 🙂

Vomitando arco-íris [Papo de Pai]

Por Rafael Alves 


Há alguns dias a Suprema Corte dos Estados Unidos aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo por lá. O que antes era uma decisão de cada estado, agora é do país. Ou seja, nenhum estado tem mais o poder pra negar uma licença de casamento pra um casal homossexual. 


Muitos não sabem, mas já faz um tempinho que o casamento homoafetivo foi aprovado aqui no Brasil.
Em maio de 2013 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou uma resolução que proíbe que os cartórios se recusem a celebrar casamentos homoafetivos. Mas na verdade a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo já vem de antes. O STF (Supremo Tribunal Federal) já tinha declarado possível dois anos antes, em maio de 2011.
Tá, mas se aqui já podia desde 2011, por que todo esse auê agora?
Primeiro porque os Estados Unidos servem de modelo. Muita gente daqui olha pra lá pra, na hora de pensar, ter alguma referência.
Em breve nosso congresso vai tentar aprovar o estatuto da família (aquela merda que diz que família é formada por um homem e uma mulher), o que seria um baita retrocesso. Então é muito bom pra gente que Obama e seus amigos sirvam de exemplo nesse caso.
Outra coisa importante é que lá essa não é só uma questão de políticos. Muita gente se envolve nas causas, inclusive celebridades de diversos espaços – esportes, cinema, moda, jornalismo, música, etc. Isso aumenta o poder de divulgação e a participação e pressão popular. Faz o povo pensar e traz o povo pra luta. 
Outra coisa, em 2011 o facebook não fez um botão e, sim, isso também conta (fala sério, em 2011 tinha gente no Orkut ainda, hahah). Não vejo problema nenhum em ter um incentivo, mesmo que seja um botão. Qualquer facilitador é válido se a causa for boa.
Talvez em 2011 nós estivéssemos menos informados. Ou então tenha faltado um empurrãozinho. Quem sabe algumas pessoas que hoje são a favor não fossem (ou não pensassem a respeito) antes, afinal foram 4 anos de possível evolução.
Esse movimento com as cores do arco-íris atingiu espaços públicos e monumentos de diversos países, assim como o perfil de importantes empresas do mundo. Foi um movimento global. Por que não celebrar?
Será que bancar o diferentão de fora da modinha é mais importante do que as pessoas que vão finalmente ter direitos iguais? Modinha, se for por bons motivos, é muito bem-vinda. Que mais causas nobres se tornem modinha, enquanto os ranzinzas não percebem que, no meio deles, a moda é reclamar da moda.
Que tal reclamar do que faz sentido, então? Aqui no Brasil, por exemplo, o buraco é mais embaixo. Não dá pra negar que nossa luta é em outra etapa. Tem trans sendo espancada e morta sem virar notícia. Tem as ovelhas dos Bolsonaros e Malafaias da vida repetindo asneiras como se democracia fosse a ditadura da maioria. E não é, gente. Não é e nunca poderá ser. 
Voltando a onda de arco-íris, acho curioso perceber alguns tipos.
1) o cara que tá em todas. Foi um dos primeiros a mudar a foto de perfil e usar a hashtag #lovewins, mas quando tá entre amigos vem dizer que acha nojento ver dois caras se beijando, que “não tem nada contra, MAS” e, como todo mundo sabe, as chances de vir alguma coisa boa depois desse “mas” é ínfima. Sem esquecer que esse cara adora ver um filminho pornô com duas mulheres se pegando porque… né?
2) o do contra. Diz que não é homofóbico (não tô aqui pra julgar quem é ou não). Acha graça de piadas tipo “se quer apoiar a causa também tem que dar o cu”, não mudou a foto de perfil e, ao invés de aproveitar a oportunidade de ficar quieto, resolveu dar uma alfinetada pseudo-intelectual. É o tipo de gente que acha que ser melhor que a média é não se envolver em nada do povão. É quase um hipster, achando que se muita gente faz tá errado… É óbvio que eu não estou aqui dizendo que se todo mundo faz tá certo, mas também não aceito alguém dizer que todo comportamento de massa está errado simplesmente por ser de massa. Cada caso precisa ser avaliado com suas circunstâncias e peculiaridades.
3) o crítico do imperialismo. O que acha que a vitória nos Estados Unidos não deveria ser tão valorizada, ainda mais quando a nossa vitória por aqui teve bem menos alarde. É verdade que a gente podia ter festejado mais, mas isso não muda a importância do que acontece hoje. Até porque em 2011 a gente não tinha essa assustadora força evangélica em Brasília. Os fundamentalistas eram menos importantes e barulhentos. Hoje eles estão mais numerosos e fortes, e religião fica extremamente perigosa quando misturada com política, porque diferente das leis, os dogmas não podem se aplicar a todos. Então precisamos entender que além de apoiar a terra do tio Sam, também estamos mostrando que somos contra os atentados que esses pulhas fazem contra o nosso estado laico em nome do coitado do Jesus, que nada tem a ver com essa palhaçada.
4) deixei por último os mais importantes, os mais numerosos (na minha timeline, pelo menos), os que transformaram as redes sociais num arco-íris sem fim. A galera que não vê limites pro amor, que não coloca barreiras, que fez um movimento bem mais legal que qualquer pote de ouro que um arco-íris poderia ter. Os mais bonitos, os que sabem que lutas não são excludentes, e não fazem mimimi achando que tem coisa mais importante (independente de ter ou não). Vocês são empáticos, me fazem vomitar arco-íris e, também por isso, são os meus preferidos. 
Falar em empatia me lembra de algumas características que poderiam fazer do mundo um lugar melhor. Acredito que além da própria empatia, um pouco de altruísmo e senso de coletividade não fariam mal.
Enquanto cada um lutar exclusivamente a sua luta, seremos fracos e enfraqueceremos os outros. Devemos comprar toda e qualquer briga com as quais concordamos, independente de fazer parte do grupo em questão, e abrir o peito pra aceitar ajuda na nossa causa, mesmo quando quem estiver ajudando não se beneficiar disso.
Digo isso não apenas como homem que luta contra o machismo, como branco que tenta reprimir o racismo, ou como hétero que apoia as causas LGBT. Digo isso também como pai de uma criança com necessidades especiais, que eu espero que tenha ao seu lado não apenas o apoio óbvio dos coleguinhas da APAE, mas também o maior número possível de amiguinhos “normais”.
Sim, eu escrevi tudo isso pra traçar um paralelo com a minha filha. Get over it.
Além disso, obviamente, quero que ela cresça sabendo que amor não se limita, e vou fazer o possível pra servir de exemplo.
Enquanto eu conseguir, vai ter amor e educação, vai ter comemoração com purpurina, vai ter festa colorida e participação na luta alheia. Vai ter resiliência e foco. 
Também vai ter arco-íris. E se reclamar vai ter dois.

Paralisia cerebral – parte 1 [Papo de Pai]

Por Rafael Alves
Hoje resolvi falar sobre um tema que pra muita gente é algo obscuro, mas que pra mim já é corriqueiro: paralisia cerebral. Como eu já disse no relato de parto, a Alice tem uma lesão no cérebro (provocada por uma falta de oxigenação em algum momento no final da gravidez, segundo o neurologista), então “paralisia cerebral” é um termo que hoje faz parte do nosso dia a dia.


É muito difícil que alguém entenda ou conheça a paralisia cerebral a não ser que no seu cotidiano exista alguma pessoa com esse diagnóstico. Eu mesmo nunca tinha ido atrás desse assunto. Mesmo assim, se a pessoa não for tão próxima, acabamos limitando nosso entendimento a um exemplo específico. É normal. Não estamos acostumados a correr atrás de informações que teoricamente não nos dizem respeito, e também não temos essa obrigação.

Eu achava que a PC era alguma doença e que era exclusivamente mental. Chego a ter um pouco de vergonha de admitir o quanto eu não sabia sobre algo que na verdade nem é tão raro assim.

Como já deu pra notar, esse será um texto não tão profundo onde vou tentar dar algumas informações básicas sobre essa condição. Mais pra frente eu pretendo abordar o tema com mais detalhes, até porque boa parte das minhas qualidades como pai são consequência de eu ter uma filha com PC. Mas isso papo pra outro post. 

Paralisia cerebral é o diagnóstico pra quem tem uma lesão no cérebro que não é progressiva e que, como consequência dessa lesão, apresenta uma dificuldade motora. Muitas vezes (mas nem sempre) é causada por falta de oxigenação no cérebro, mas também pode ocorrer por lesão de impacto e até como consequência de algum outro problema de saúde na infância (como meningite ou um tumor, por exemplo). No caso da Alice, como eu disse antes, foi falta de oxigenação ainda durante a gravidez. Descobrimos no quarto dia de vida, quando foi feito um ultrasom da moleira e descobriram que tinha um inchaço no cérebro (depois esse inchaço diminuiu, deixando uma lesão na massa branca).

A lesão não ser progressiva quer dizer que ela nunca vai piorar, mas também nunca vai desaparecer. O que significa que paralisia cerebral não tem cura.

Pacientes com PC podem também apresentar outros problemas como convulsões, dificuldades de visão, de audição, de fala e de alimentação. Esses sintomas variam muito de um caso pro outro. Alguns podem apresentar vários (ou todos), enquanto outros podem não apresentar nenhum. 

No caso específico da Alice, foi uma única convulsão na vida inteira, que aconteceu na madrugada do primeiro dia (e foi o motivo pelo qual ela ficou na UTI), mas que, infelizmente fez com que ela tomasse um anticonvulsivante por mais de um ano. Tiramos esse remédio já faz 7 meses e até agora ela não apresentou nenhuma nova crise. Esperamos que continue assim! 

Sobre os outros problemas, o saldo também o positivo pra gente. A Alice tem problema de visão, mas ouve bem, come super bem e, apesar de ainda não falar, nossas expectativas a respeito da fala são otimistas. Alguns diagnósticos demoram pra sair, então por enquanto nos resta esperar e continuar estimulando.

Também pode acontecer de uma pessoa com PC não apresentar problemas mentais, ou seja, seu corpo sofre consequências da lesão no cérebro, mas a parte cognitiva se mantém preservada. Essa pessoa pode muito bem frequentar uma universidade e assumir qualquer cargo que demande um alto nível de inteligência, pois nesse caso sua limitação se resume ao corpo.

No campo cognitivo a Alice também apresenta um atraso considerável pra idade dela, mas assim como na parte motora, não temos como ter certeza do nível de comprometimento que ela vai apresentar, pois ainda é cedo demais pra definir um limite.

A variedade de possibilidades da paralisia cerebral é enorme. É preciso conhecer cada caso antes de tirar conclusões precipitadas. Você pode acabar criando expectativas em cima de alguém que não tem condições de atender, assim como pode desacreditar de alguém que tem todo o potencial pra executar praticamente qualquer função por não ter sequela cognitiva e ter a sua parte motora com um grau de distúrbio muito baixo.

Lidar com alguém diagnosticado com PC demanda sensibilidade e empatia. É preciso conhecer a pessoa e suas limitações. Imagine quão desagradável deve ser pra alguém sem comprometimento intelectual ouvir um discurso recheado de palavras como “coitado” ou “pena” só porque o corpo não é fisicamente desenvolvido.

Mas enfim, como eu disse, esse texto é só uma introdução ao assunto. Uma definição do termo paralisia cerebral, por assim dizer. E pra não virar uma aula chata sobre um tema estranho, vou encerrar ele por aqui.

Se alguém quiser um resumão em quatro pontos, segue: 

1) lesão no cérebro; 

2) não progressiva;

3) dificuldade motora;

4) sem cura.

Essas quatro regrinhas tão sempre presentes. Qualquer outro detalhe é variável, não só no sentido de que pode aparecer ou não, como também pode ser em níveis diferentes.

Ser pai é isso. É aprender a cada dia. Estudar e descobrir o melhor pros nossos filhos.

Mesmo que seu filho não tenha nenhuma deficiência, aprenda sobre o assunto. É importante que ele viva em uma sociedade onde se tenha entendimento a respeito da condição alheia e que possa tratar qualquer outro como igual, mesmo que ele seja um pouco diferente. Eu agradeço!

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